miércoles, marzo 09, 2011

EN EL CABO. Guilherme Heurich

Tinha caminhado um bom bocado e, já que estava ali, achei melhor ficar. Uma decisão simples que escondia um aprendizado fundamental, mas só percebi isso depois. Como dizia, tive que caminhar bastante até encontrar a solidão. Afinal de contas, quando se quer estar só, o que é preciso?

O sol queimava forte, minhas costas suavam, e a decisão de partir apareceu novamente. Algo longe me chamava e, depois de cruzar o arroio, segui rumo ao sul. Mar, pedras, areia e, do outro lado das dunas, um campo que começava e se estendia ao horizonte, pleno de vacas pastando e butiás madurando. Segui pela areia durante um bom tempo, mas o progresso não era muito fácil, pois cada passo pesava e demorava a levantar: ficava olhando para meus pés e escolhia o melhor caminho, mas aí esquecia da paisagem ao redor.

Segui por essa senda, sem pressa... Nesse mar de areia, pedras incríveis formavam figuras distintas. Sentadas na areia, pegando um pouco de sol, parecia que as pedras que miravam o mar. Foi só quando subi numa dessas figuras que avistei, ao longe, o farol do Cabo. Me desfiz da mochila e, em um raro momento, me senti só... foi a partir daí que a vida se abriu. Não fazia idéia, naquela hora, para qual direção ela estava se desdobrando... A solidão pode ser muito enganosa... nunca se sabe quem habita o redemoinho.

- - -

Quase no final da tarde, me aproximando do Cabo, resolvi não chegar. Tinha de encontrar um lugar para passar a noite antes do fim do dia e, na beira da praia, avistei umas primeiras casas, que pareciam vazias. Lembrei do que me haviam dito na cidade e resolvi dormir por ali mesmo. Foi assim que, um pouco antes de escurecer, coloquei minha pequena barraca logo atrás de uma casa azul. Entre ela e o mar, apenas outra, vermelha.

Ali, protegido do vento nordeste, me sentei para comer o que me restava de pão e dulce de leche. Agarrei a térmica e tomei o último gole logo antes de sentar nas dunas para assistir à lua laranja que surgia de dentro do mar e iluminaria, em breve, o rosto de meu mestre. Um mestre noturno, sorrateiro e inesperado, que hoje não mais está. Pitando um pouco, diante da lua, eu ainda não fazia idéia do que aconteceria. O vento e as ondas começavam a tomar conta de meus ouvidos.

Não permaneci muito tempo na areia e logo fui dormir. Ouvia-se o vento forte que balançava todos os cantos da barraca. As lambidas eram tão cortantes que aquele frágil conjunto de pano e alumínio parecia que ia se arrebentar. De repente, achei que ouvia passos na grama e, seguindo em busca dos sons, tive a certeza de que era apenas a barraca roçando no chão.

- Hola! - disse uma voz de mulher.

- Hola!, respondi.

- Esta es la casa donde Pablo?

- Ni idea. Creo que no.

- Adiós. Gracias.

Podia ter sido o dono, ou talvez o guarda-parques, afinal, era proibido acampar ali. Proibido, imaginava eu que seria só isso...

Saí para mijar antes de voltar a tentar dormir, mas escutei uma voz antes mesmo de abrir o zíper.

- Que haces ahí?

Me virei para ver um tipo ali parado, com um pequeno chapéu de palha, encostado na porta dos fundos, logo atrás da barraca. Tínhamos mais ou menos o mesmo tamanho, mas eu não possuía aquela arma na mão e me preparava para arriar as calças.

- Estoy acá, no más.

- Pero...en realidade, acá estoy yo.

- En la casa?

- Pues claro.

- Y puedo quedarme acá afuera?

- Eee...no.

- Y porque?

Não me respondeu. Na mesma hora vi que ia dar merda e tentei lembrar das poucas brigas que tinha tido na vida. Ele não dizia nada, mas tampouco precisava. Quando a rusga se avizinha, melhor tomar a iniciativa. Ainda abaixado no chão, perto dos restos da fogueira que tinha feito logo que cheguei, agarrei a única arma de que dispunha. Encostado na brasa, o pequeno pedaço de arame começou a enrubecer-se e, na mesma hora, podia sentí-lo tremer. Minha mão tensa e dura, sem mexer. E o velho arame que por tantos anos usei para fazer arte me dizia que queria mudar de ramo. Tremia e gemia, me contando que os ossos do ofício agora seriam apenas ossos. Sem metáforas.

Esperei o movimento do peão e nada. O cigarro ainda pitava, aparentando serenidade platina, mas eu sabia que fervia por dentro também. Tinha vindo pra isso. Lembrei da iniciativa e me levantei o mais rápido que pude. Girei o corpo, lancei o arame contra o rosto dele e furei sua bochecha esquerda ao mesmo tempo em que seu pucho voava. Ele urrou de dor enquanto tateava sua cintura em busca de um revide e enquanto eu corria para o outro lado da casa e pensava no próximo movimento.

Pensei em fugir, mas tive certeza que a lua cheia me denunciaria e fiquei encostado na parede, esperando. Escutei os passos de meu algoz e voltei por onde tinha vindo com o intento de surpreendê-lo, porém apenas consegui esticar a mão e agarrar o cano do 38 poucos segundos antes da bala atravessar a palma da minha mão e passar zunindo por minha orelha. O peão bufava, ainda com o arame atravessado na cara, como quem não acreditava que tinha errado o tiro. Puxei a arma de sua mão e joguei no riacho que passava ao lado da casa.

O primeiro soco doeu menos que o segundo que recebi logo antes de cair espatifado sobre um banco de madeira e ve-lo pulando em cima de mim. Levei mais um na barriga e senti os punhos dele se fechando no meu pescoço. Tateando o chão, encontrei minha salvação. Agarrei um toco que um dia fizera parte desse banco e acertei o filho-da-puta bem na têmpora. Espirrava sangue às cachoeiras e entendi quando não consegui tirar o toco de sua cabeça: um velho prego fez questão de ser a ponte eterna entre o crânio daquele desgraçado e esse pedaço de madeira. Ainda pulei pra cima dele e só parei de golpear sua face quando minhas lágrimas pingavam sobre seus olhos ensanguentados, me fazendo perceber que aquilo que escorre dos olhos é nada mais que a transformação do vermelho das feridas abertas.

Com os punhos fechados comecei a esmurrar o peito do coitado, tentando empurrar pra dentro daquele corpo a culpa vermelha que me escorria pelas mãos. Caí em prantos sobre o pobre e o abracei...

A transa que nos envolveu me lembrou das noites que eu e você passamos juntos, fingindo que gozávamos. Sentindo a pele que esfriava sob meu peito incandescente, eu aprendi a amar.

2 comentarios:

LuisGa dijo...

Muy bueno... excelente historia y muy buen final.

José Miguel dijo...

Sí, a mí el final me gusta mucho, realmente.... Me gusta la ira medio paranóica del mansito y después ese final...